quinta-feira, 5 de abril de 2012

Da Justiça [3] - Enriquecimento ilícito

A lei sobre a penalização do enriquecimento ilícito foi chumbada no Tribunal Constitucional. Congratulo-me pela decisão e por existir em Portugal quem ainda proteja a nossa Constituição.
Segundo a decisão do TC a lei viola diversas normas da CRP. Entre as quais a presunção da inocência. O legislador é na maioria dos casos o grande responsável pela confusão e falta de clareza das leis, muitas vezes ao atropelo das mais elementares regras de bom senso que estas devem ter, e em nome, quase sempre, do populismo imediato.
Neste novo tipo legal de crime criava-se a possibilidade de qualquer pessoa cujos indícios de riqueza, e que não fossem suportados pelos rendimentos, seriam presumidamente autores de um crime de enriquecimento ilícito. Seriam presumidamente culpados de um crime. Isto é, sem sabermos quem seria o responsável por essa fiscalização (o MP, o sr. das finanças, uma denúncia anónima, um vizinho?), e, mais grave ainda, invertendo o ónus da prova, tornando-o num processo Kafkiano.
O nosso sistema penal, é na sua base, de carácter acusatório, e em que o contraditório é um dos princípios basilares. Neste caso, ao inverter-se o ónus da prova, elimina-se a presunção de inocência até prova em contrário em Tribunal, outro princípio basilar da nossa lei, uma garantia consagrada na Constituição, dando azo a possíveis discricionariedades, e permitindo até, que num caso extremo, alguém que tenha comprado um carro novo, porque recebeu, suponhamos uma indemnização ou herança, possa ser detido e julgado, tendo que fazer a prova desse enriquecimento. O normal será que o MP tenha que fazer essa prova. E, se o arguido não conseguir provar a origem do dinheiro, poderia cumprir pena de prisão. O ónus da prova tem que estar do lado de quem acusa. É do senso comum. Quem acusa tem que provar porque acusa. Se há suspeitas de corrupção, tem que provar que ela existiu, tem que fazer o 'iter criminis', tem que haver um nexo  causal. Não pode haver uma acusação condenatória. Partindo do princípio que o arguido é culpado. Se querem combater a corrupção, agilizem os meios e a fiscalização. Criem condições para a investigação, porque a corrupção já é crime em Portugal há muito tempo. O resto é que não funciona, porque não se dão balas a quem tem as armas que podem combatê-la. Haverá em Portugal meia dúzia de presos por corrupção, e isso diz tudo sobre a eficácia da lei.

PS - Critiquei no último artigo A. J. Seguro. Nesta matéria o PS foi o único partido a votar contra. O tempo e o TC deu-lhe razão.

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