quarta-feira, 16 de março de 2011

O rosto da política necessária

Hoje, perdoar-me-ão, vou ser um pouco mais extenso. Os tempos que vivemos, são em simultâneo, difíceis mas empolgantes. O serem difíceis julgo que está à vista de todos. São empolgantes no sentido do debate ideológico que se impõe ou que nos é imposto. Chegou a hora de tomar partido.

Todos os dias nos dizem que acabou o Estado social, o Estado protector, a economia previsível, as certezas absolutas, o emprego para a vida, o trabalho com contrato, a segurança apaziguadora. O mundo pula mais do que avança e está em constante sobressalto (eu sei, foi um trocadilho fácil da letra da música "Pedra Filosofal"). A evolução civilizacional conquistada a pulso no último século está em crise, feita de revoluções, de luta pela liberdade, de combates ideológicos mais ou menos sangrentos. Ainda não se sabe se ganhou o sistema capitalista, do mercado liberal, se o sistema social, do Estado protector. Provavelmente ganharam os dois. Sabe-se quem perdeu, as ditaduras, os imperialismos, o fascismo, o socialismo marxista, leninista e trotskista, os extremos de direita ou de esquerda. A liberdade ganhou e deve ganhar sempre! A liberdade de escolha, a liberdade de voto, a liberdade de expressão. Acontece que a liberdade não é um fim em si mesmo, ela implica responsabilidade, implica que se saiba viver com ela, e não aproveitar-se dela. E isso mesmo decorreu da queda do muro de Berlim, da queda do sistema socialista soviético. A liberdade do capital chamou a si a sua própria liberdade. Assistimos recentemente à falência do sistema capitalista global. Disso que ninguém tenha dúvidas. Se  o fim do socialismo utópico e de Estado se deveu à falta de liberdade individual e privada, a liberdade desregrada e egoísta dos últimos anos de especulação financeira deveria levar ao fim do capitalismo neo-liberal. A diferença reside no conteúdo e não na forma. Infelizmente. O dinheiro é, hoje por hoje, mais importante que o individuo. E é por isso que o sistema capitalista tout-court, desregulado e especulativo não morreu e está mais forte do que nunca. Repare-se que agora uma qualquer agência de notação financeira, elas próprias com grande responsabilidade na crise financeira que posteriormente levou à económica, mantêm os próprios Estados reféns da sua ânsia e ganância. O modelo social europeu caiu pela base à mais mínima probabilidade de alguém poder perder algum dinheiro. E já aqui perguntei como é possível que a crise do sistema neo-liberal e global dê origem ao atestado de óbito do Estado social? A única explicação que encontro é sempre a mesma e passa por falar em dinheiro. 
Aos que me acusam de seguidismo e parcialismo, eu respondo que têm toda a razão, sou seguidista dos meus ideais de esquerda quando se trata de igualdade e liberdade,  parcial o suficiente para sobrepôr o individuo ao capital, de defesa do Estado social e protector, sempre com a noção exacta que são os mercados livres que devem e podem melhor desenvolver a economia e o mundo, mas com regras, que só podem ser ditadas pelo Estado. Isto sim é política...eu já escolhi o meu partido. E vós?

Por contraponto à política, vem a política dos politiqueiros, a chamada politiquice. Este era o momento para se debater a fundo a politica dos ideais, com ideias responsáveis e seguras. Mas não, desde Merkel, a Sarkozy, passando cá no nosso burgo por Cavaco, Passos Coelho e Sócrates, todos resolveram desperdiçar a oportunidade única que vivemos de poder encontrar pontes e pontos de união para o futuro. Quem sabe até encontrando uma solução intermédia que desembocasse num sistema político que aproveitasse o melhor de gregos e troianos.
Mas não. Joga-se à política, foge-se às responsabilidades, brinca-se com o país e com o nosso futuro e dos nossos filhos.
O folhetim do novo PEC é o que faltava para pôr de vez a pedra sobre o túmulo. Se é verdade que o congelamento das pensões mais baixas, é (e para usar uma palavra da moda) do mais rasco que se pode fazer, aliado aos cortes nas outras pensões, bem como à maior desbaratização e precariedade do emprego, então o Estado social bateu mesmo no fundo, ainda por cima com directivas ditadas pela Alemanha, ao arrepio das instituições europeias democraticamente eleitas. Já não nos dirigimos à comissão ou ao parlamento europeus, vamos directamente falar com Merkel. E aí a culpa é de Sócrates e de todos os bonecos que por lá pululam. Passos Coelho queria cozer em lume brando este Governo mais uns meses, só que não contou com o desnorte que por lá se vive, e por querer ou sem querer, culpa de Sócrates ou de Passos Coelho, a crise política está instalada. E Passos Coelho que contava com o desgaste do Governo para chegar à maioria absoluta, vê-se confrontado com um cenário de eleições, que estou convencido, não desejava já.  O PEC vai a votos e o Governo vai cair. Até que enfim...ou não...porque neste momento a direita unida (PSD/CDS) ainda não tem maioria absoluta. Que outra coisa poderá o PSD fazer no poder sem maioria? Vai chamar o FMI? Vai Paulo Portas negociar com Merkel? Ou vai tomar medidas senão iguais, bem piores, a reboque do discurso de todos os governos recém empossados do "nunca pensei que isto estivesse tão mal", ou do "a culpa do governo anterior", etc. O jogo da politiquice de quem deve ser responsável veio para ficar. À falta de ética e de responsabilidade, junta-se a falta de vergonha e de coragem e a ânsia ou a manutenção do poder. O país fica para depois.

E agora para acabar com a politiquice, mais uma vez Cavaco Silva surpreendeu... ou não, ao dizer a seguinte frase ""Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar". Pergunto eu: será que para Cavaco a guerra colonial fooi essencial ao nosso futuro? Será que as missões e as causas serão as mesmas de um regime ditatorial e as de quem foi eleito e vive em liberdade? As palavras brotam da sua boca com a determinação de quem não sabe o que está a ler, com a ignorância de quem não percebe o significado das coisas, ou então é mesmo convicção. Seja como for qualquer delas é muito grave. Vou fazer-me amigo de Cavaco no Facebook, porque ao que parece é lá que ele explica o que verdadeiramente quis dizer. Sem comentários.

Não é de estranhar pois, que os meios e as redes tradicionais estejam em risco, com o surgimento das redes sociais globais, rápidas e abrangentes, quando a política de  ideais é substituída pelo jogo do momento, pelo soluçar do poder e dos boys, que, não se iludam, são de todos os quadrantes e mudam de cor conforme a onda. Os protestos espontâneos a que temos assistido são fruto da politiquice que se vê e da política que não se vê. Mas se nascem sem ideologia, só a ideologia os fará alcançar uma meta. É o nosso sistema democrático que o exige, e aí temos que  votar nos rostos que nos representam ou não. Talvez por tudo isto se explique a abstenção. Mas ninguém devia ser abstencionista, que para todos os efeitos não é a mesma coisa. Talvez por isso em França a extrema direita esteja a ganhar terreno. Temo o pior. É chegada a hora de escolher. Mas sempre pela liberdade...

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