domingo, 7 de abril de 2013

A Constituição como bode expiatório

Analisar a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas da Lei do Orçamento para 2013 não é tarefa fácil, nem deve ser encarada levianamente. O Acórdão do Tribunal Constitucional é muito extenso, contém diversas análises, jurisprudência, doutrina e obviamente inúmeras considerações jurídicas do domínio do direito constitucional e fiscal dificilmente apreensíveis numa simples leitura. Mesmo para que um especialista possa dar uma opinião sobre o mérito do Acórdão requer alguma maturação e um domínio de conceitos que não está ao alcance de qualquer jurista.
Já li o Acórdão na diagonal e os seus fundamentos principais. Não falo de improviso quando digo que a sua apreensão são um 'case study' que ocuparia todo um semestre de uma qualquer universidade. Também não sou especialista na matéria, apesar de ter um interesse especial pela mesma. Ultrapassando rapidamente a declaração de interesses, e porque isso pouco ou nada interessará, sou de opinião todavia que tendo a concordar na maioria dos fundamentos da decisão. Essa análise seria muito extensa de fazer aqui, repito, e também requereria um muito maior aprofundamento da questão. E dessa análise resultaria, em minha opinião, a declaração de inconstitucionalidade de mais normas que estavam em crise. Nomeadamente no que diz respeito à taxa de solidariedade e à eliminação de escalões do IRS. Avanço que a principal motivação do Tribunal para que estas normas não fossem declaradas inconstitucionais diz respeito à sua limitação temporária. Outras há, inúmeras, repito, em toda a análise de todas as normas por parte do Tribunal.
No entanto, a análise política pode e deve ser feita. E essa é a essência da coisa.
Não questiono que a intenção do governo tenha sido deliberada. Mas a verdade é que este governo incorreu uma segunda vez no erro, e devia ter tirado ilações da declaração de inconstitucionalidade do Orçamento anterior. Empurrou com a barriga, mesmo tendo dezenas de assessores especialistas pagos a peso de ouro. Relembrar que ainda na oposição Passos Coelho e seus pares se bateram insistentemente por uma revisão constitucional não será displicente. Este governo convive mal com a Lei das leis do país. É muito pouco liberal, tem princípios como o da Igualdade e o da Proporcionalidade. Ainda bem.
Após as críticas ao Acórdão saídas do Conselho de Ministros extraordinário de sábado à tarde, é também extraordinário que ninguém se tenha questionado ainda porque é que essas críticas não foram dirigidas em primeiro lugar a quem viola a Constituição de forma sistemática (está bom de ver), depois porque é que essas críticas não foram dirigidas a quem requereu a fiscalização sucessiva da constitucionalidade do Orçamento (Cavaco incluído e principal suspeito) e finalmente porque é que três dos juízes que votaram a inconstitucionalidade das normas ora em apreço saíram de nomeações feitas pela maioria que constitui o governo, e que se tivessem votado contra não teriam declarado a sua inconstitucionalidade (só para quem confunde justiça com política, como Marques Mendes e Teresa Leal da Costa, entre outros). É mais fácil, depois de Sócrates, arranjar outro bode expiatório para o falhanço brutal da política do governo, e que agora é o TC.
Por fim, resta analisar a forma de actuação do próprio Tribunal. Se é certo que a análise da matéria, como já se disse, e o próprio Presidente do TC veio explicar, se revestia de especial complexidade, também é certo que vivemos dias de especial urgência no país. Quando o Presidente do TC vem dizer que o tempo da Justiça não é o tempo do jornalismo, essa é uma verdade inexorável. No entanto, o tempo da Justiça tem que ser o tempo do país. Se o Presidente da República tivesse pedido a fiscalização preventiva da constitucionalidade do Orçamento de 2013, aliás como devia, porque já se suspeitava do que aí vinha, o TC tinha apenas 25 dias para decidir. Ora, a análise era a mesma. E a matéria também.
Para conclusão, já se sabe o que Passos Coelho irá anunciar ao país no domingo, com os indícios saídos da comunicação saída de Belém. Não se demite, não desiste, e vai chantagear e ameaçar os portugueses com mais impostos porque esse é o único caminho. Porque o resgate ficará em risco. Porque não tem margem de manobra, nem plano B. Usando obviamente como bode expiatório a Constituição e o Tribunal Constitucional.
Registe-se que Cavaco será o pilar que aguentará o governo e a austeridade que ainda virá. Por culpa própria e refugiando-se na sua própria sombra. Gato escondido com rabo de fora. A mão por detrás do arbusto. E Paulo Portas parece que nem faz parte deste governo...

O Acórdão do Tribunal Constitucional a seguir: 

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