terça-feira, 20 de novembro de 2012

Chaves na penumbra

A penumbra que desce sobre o vale dá aquela sensação de inverno triste e apagado. As ruas desertas e escuras porque o município endividado tem que poupar na electricidade, quando a cidade devia estar eléctrica, tornam o ambiente soturno e frio. Lojas abandonadas, empresas fechadas, desemprego, o estado do país tem aqui um reflexo agonizante. Uma faixa de luto cobre o tribunal ali ao lado, abandonado de advogados e ausente de rebuliço, numa luta desigual contra um sistema que não quer ser coeso. O estado social não passou por ali, nem pelo hospital, numa cidade estática e esquecida, que vive dos serviços que lhe querem furtar, em nome da crise e de uma política centralista sempre contra o interior ostracizado e as populações marginalizadas por autarcas e governantes de chapéu estendido à espera de esmola.
A falácia e o engano já não pegam aqui. As burlas de 'Lesboa' já não enganam ninguém, mas as forças foram-se perdendo por inércia de quem devia tê-la, e por cansaço de quem já não acredita em nada. O estado social que fundou a democracia, que conduz à coesão social, que protege quem está desprotegido e os ajuda a levantar a cabeça, que garante a todos oportunidades iguais, que redistribui a riqueza, que aproxima e iguala, há muito que não chega aqui, agora é pior.
A cegueira centralista ruge agora com este ataque final de ajuste de contas a anos de progressão e conquista desde a II Grande Guerra. Anos de paz, social e progressista, que desembocaram na oportunidade que a ganância do capital esperava e levou à derrocada.
Aqui, nunca fomos iguais aos outros, mas só em oportunidades, porque o espírito e a alma nunca ninguém será capaz de dominar.
O abandono de gentes distantes é o abandono do país de quem não sabe nem conhece os seus encantos e hospitalidade, gastronomia e liberdade. A inocência perdeu-se algures no caminho, agora que finalmente chegou a autoestrada, e a justiça nunca mais chegará.
Se é verdade que o país permitiu que a crise internacional se ajustasse à medida, por erros e enganos de governos, gestores e banqueiros, aqui a crise já estava instalada. A crise de saberes e sabores, a crise de cultura, de progresso e de crescimento. Os últimos 11 anos foram de catástrofe para a cidade, e de atraso para o concelho. E a crise instalou-se mesmo à medida. O empurrão deu o executivo autárquico, a machadada o executivo de 'Lesboa'. Mas eu sei que esta gente nunca levará o empurrão ou a machadada final. 'Para cá do Marão, mandam os que cá estão.'

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