sábado, 2 de junho de 2012

Apontamentos sobre o Estado da Nação

Portugal não é autossustentável porque vive a crédito, porque cada cidadão acha que só tem direitos e não deveres. Porque não se governa, nem se deixa governar... Porque nos habituámos a viver à sombra do Estado. E quando a coisa não funciona porque simplesmente não existe a ideia de serviço público, o Estado, que somos todos nós, é o culpado. Agora corta-se cegamente no Estado, porque é moda e a agiotagem e a ideologia assim o exigem. Mas não se corta no supérfluo, nem nos poderes instalados, nem nas rendas usurárias; corta-se onde o Estado deve estar, junto dos mais pobres e excluídos, dos mais fracos e oprimidos. O Estado serviu anos a fio para tudo, principalmente para o lucro fácil e contratos milionários de ex-políticos, para a classe dos que usam avental, dos favores e da troca de influências. O português chico-esperto e invejoso, das caixas de comentários dos jornais online, é um dos nossos maiores inimigos.
A classe política há muito que abandonou o que a política tem e pode oferecer de melhor. As ideias e projectos que possam aparecer nunca são pensados a prazo, não há um caminho claro de futuro pensado e organizado. Tudo é feito em cima do joelho, e quase sempre com preocupações eleitoralistas e de popularidade. As reformas necessárias não avançam por pressão dos lobbies e do corporativismo instalado, em que o medíocre é maioritário e o mérito não é valorizado (a avaliação dos professores, p.e.), e quase todas as desnecessárias são feitas contra as populações e contra as pessoas. Os autarcas e seus apaniguados (com algumas raras excepções), são o que resta do caciquismo e do antigo sistema feudal, senhores do bairro em que só algumas casas estão iluminadas. O regime permitiu o seu endividamento até limites pornográficos em nome da costumeira politiquice de obra feita à pala do cidadão, grande parte dela para inglês ver, e em nome da demagogia e do eleitoralismo. Como exemplo máximo temos a Madeira do ditador de trazer por casa, do desbocado, malcriado e arrogante João Jardim. A Madeira que nunca deu nada ao continente, a não ser meia dúzia de futeboleiros, sempre foi uma fonte inesgotável de dívida e de má gestão, que estamos e iremos pagar. Já não há estadistas, que pensem o país, estrategas inteligentes com ideias de longo prazo, mas sim políticos carreiristas, fabricados à pressão. A exemplo do que acontece por toda a Europa, daí não ser de estranhar a crise que se vive por aí fora.
O cavaquismo foi onde tudo começou. O actual PR tentou vender-nos a ideia que éramos um país rico. A política de alcatrão criou a ilusão de um novo-riquismo alcoviteiro, feito de BPN's e BPP's, com casa própria para todos e o país da Europa com mais km de autoestrada por habitante. Abandonaram-se os caminhos de ferro e os transportes alternativos. Nasceram os elefantes brancos e as PPP's que nunca pudemos nem poderemos pagar.
O fartar vilanagem continuou, sem meios eficazes de fiscalização, com a justiça de pernas curtas e sem meios, um sistema  bancário com benefícios injustificados, mais PPP´s, empresas públicas deficitárias para os boys, com a corrupção galopante à custa do Estado e dos contribuintes, com o compadrio e as influências. Sócrates foi o maior reformador em Portugal, até 2009, quando rebentou a crise, quando lhe mandaram investir para a combater e depois lhe tiraram o tapete, quando finalmente cedeu à chantagem dos mercados e dos lobbies do costume, aí por culpa própria. Ainda hoje é usado como bode expiatório. Ainda hoje é o alvo de todos aqueles que não querem assumir culpas no cartório. Viveu sempre acossado por suspeitas e perseguido por jornalistas que do nome nada têm. Também teve os seus deméritos, mas lembro só que os únicos anos em que Portugal conseguiu manter as metas do défice de 3%, foram os três primeiros anos da sua governação, mesmo quando a Alemanha o não fazia. Hoje muita gente terá saudades desses tempos.
Um país de merceeiros e dos maus em que o tecido empresarial nada cria nem produz riqueza, limitando-se à intermediação e distribuição, sem recursos naturais, e em que o turismo é um sector mal aproveitado, agora asfixiado pelo excesso de impostos, a crise internacional criminosa de 2008, em que os mesmos que a criaram são os mesmos que lhe tentam dar solução, sempre da mesma maneira, pôs tudo a nu.
O caminho até aqui foi este, o que agora nos querem impingir será ainda pior, o ciclo vicioso de austeridade criadora de desemprego e de recessão, cego e puramente ideológico, com a venda dos sectores estratégicos e monopólios naturais, ao desbarato e de lesa pátria, a fúria ditadora dos mercados, a alienação de direitos e garantias, o abandono das pessoas e do estado social, a própria democracia ditada por directórios interesseiros, levará a que qualquer dia não exista Estado da Nação.

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