quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O jogo dos números

"Vemos que toda a cidade é uma espécie de comunidade, e toda a comunidade se forma com vista a algum bem, pois todas as acções de todos os homens são praticadas com vista ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras, tem mais que todas este objectivo e visa o mais importante de todos os bens; chama-se cidade e é a comunidade política" Aristóteles (384a.c. - 322 a.c.)

A D. Augusta vivia nos arredores de Lisboa, tinha 87 anos a última vez que foi vista. Era cidadã portuguesa e como tal também era contribuinte. É costume dizer-se que na vida só duas coisas são certas: a morte e os impostos. O Estado, a comunidade política de cidadãos não quis saber da pessoa. A morte, o abandono e a solidão não interessam para quem é apenas um número fiscal. O que realmente importa é se o contribuinte tem dívidas ao fisco e se tal dívida se pode capitalizar, penhorando a sua casa, vendendo-a e cobrando. A D. Augusta tinha dívidas ao fisco, só porque morreu abandonada, sem que a GNR e os tribunais se dessem ao trabalho de a procurar. Foi encontrada porque para as Finanças só os impostos são certos, ainda que a pessoa não esteja viva. O que é mais importante não é o desaparecimento de um ser humano, mas sim o número fiscal que acumula dívidas mesmo depois de morto. A D. Augusta morreu na sua casa e aí esteve durante nove anos na cozinha, com o seu cão que morreu com ela. A comunidade da D. Augusta não se importou. Resta um consolo: se morrermos sozinhos, o fisco mais tarde ou mais cedo encontrar-nos-á.

Entretanto, o Governo decidiu ceder às pressões do eixo  liberal Franco-Alemão, e começou a desbaratar e flexibilizar o despedimento, porque alguém na Alemanha e na França se lembrou que isto traria mais emprego. O princípio é claramente errado. Se se despede mais facilmente e mais barato, a consequência não é mais emprego, mas sim menos emprego e com salários mais baixos. O problema surge porque os salários mais baixos não serão os dos gestores claro, mas sim os dos trabalhadores. Os patrões agradecem. Obedece quem deve, manda quem pode, o capital pois claro.
Esquece-se muitas vezes, que Portugal não é obrigado a pedir ajuda a FMI's, Fundos Europeus e afins, e não temos por que ceder à pressão liberal que nos querem impôr. Mais uma vez, o debate ideológico é suprimido pela pressão dos mercados chantagistas e especuladores. Estou farto de assistir à venda do Estado Social, ao leilão dos princípios de solidariedade, à corrupção de valores, à capitalização dos números, das taxas, das dívidas e dos juros, abandonando as D. Augustas da NOSSA comunidade.

O Médio-Oriente joga ao dominó, a África joga à roleta russa e o resto do mundo joga ao monopólio...

1 comentário:

marco disse...

Temos que ser claros amigo Rogério.
Alguém faz bem o seu trabalho. E esse alguém são os trabalhadores dos impostos!É um trabalho desagradável? É! mas alguém tem que o fazer...
Resta esperar que o coveiro também não falhe. E a partir daí tudo poderá continuar na mesma.