quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Crise que não é nossa...

Já muito se tem dito sobre a malfadada crise, apontam-se culpados, esgrimem-se argumentos, debatem-se teorias, inventam-se soluções. O FMI, a UE, os bancos, os mercados, os Estados, etc... É chegada a altura de desmistificar tudo isto.

1- Em primeiro lugar, esta crise nasce da desregulação dos mercados, que na sua sede de ganância e do lucro fácil passaram a controlar o sistema financeiro, com o beneplácito dos Estados e do poder político, que numa espiral especulativa, aliado ao consequente crescimento da dívida pública e do défice orçamental e público, foram enchendo o balão até ao seu iminente estouro.
A crise nasceu nos E.U.A. – meca do capitalismo liberal do banco Lemhan Brothers, da seguradora AIG e do especulador e usurário Maddof - , com início na crise do subprime em que as instituições de crédito americanas concediam empréstimos hipotecários de alto risco, arrastando os bancos para uma situação de insolvência e da especulação imobiliária, e com o beneplácito da sua Reserva Federal no mandato de Alan Greenspan e das famosas agências de rating, que inundaram o mercado com esses produtos tóxicos.
Surgiram os primeiros escândalos financeiros, de bancos e seguradoras que já não conseguiam obter liquidez nem pagar o preço do risco de produtos que não valiam o que por eles se pagava, sem se endividarem até ao limite do rebentamento da “bolha” e consequente falência. Os E.U.A. optaram por deixar cair um dos seus maiores bancos, simultâneamente com a falência de seguradoras e imobiliárias. Obviamente que de seguida, no mercado global em que vivemos, dependente das directrizes e dos ventos favoráveis do grande capital, os efeitos não demoraram a fazer-se sentir.

Afinal, tínhamos sido enganados. Os bancos viviam com dinheiro virtual, feito de especulação, de propaganda, de aposta no risco do lucro fácil, mas sobretudo dos empréstimos que vendiam com empréstimos que faziam. Os juros eram a sua liquidez. De repente, a dívida externa dos bancos, e por arrasto dos Estados, tornou-se insuportável. Os empréstimos no estrangeiro dos bancos para bancos, para fazer face à falta de liquidez real, além de sofrerem uma drástica redução, sofreram um inevitável aumento de juros. Os juros do que se emprestava aos clientes, começou a não chegar para pagar aqueles da dívida externa. Os Estados viram-se forçados a segurar o sistema bancário, fundamental na economia de mercado, injectando capital em alguns bancos, nacionalizando outros, e, por consequência, aumentando a dívida pública. Na Irlanda isso representou a bancarrota. Em Portugal os exemplos do BPP e do BPN.

Os Estados com maior défice e maior dívida pública até então, eram os mais fragilizados. Os periféricos PIIGS. O exemplo português não é nada de que devamos orgulhar-nos. É verdade que vivemos anos a fio acima das possibilidades, com empréstimos sobre empréstimos, com PPP’s, com salários escandalosos de crescimento superior a 10% ao ano, com favores perniciosos e tráfico de influências entre a coisa pública e a privada, com descontrolo financeiro de empresas públicas e privadas, mas também não é caso para baixar a cabeça, enfiar as orelhas de burro e ir para o canto da sala. Existe pior. Muito pior. E não fomos nós os coveiros.
Curiosidade: o nosso Serviço Nacional de Saúde é dos melhores do mundo. De facto.
A Islândia e a Irlanda, países nórdicos e mais desenvolvidos caíram primeiro que nós. A Grécia nem se compara e a própria Espanha está na calha. É falso dizer-se como se dizia que os mercados acalmariam com o pedido de ajuda da Irlanda, baixando as taxas de juro da dívida pública. Já ninguém sabe explicar porquê.
Também não é verdade que saímos prejudicados com a nossa demora a reagir. A Irlanda há um ano reduziu severamente salários de políticos e da função pública e tomou sérias medidas contra a despesa do Estado. Foi alvo de aplausos, mas não houve perdão. Caiu a semana passada. Portugal reagiu tarde e AINDA não se ajoelhou.

Impõe-se uma pergunta: porque há-de ser o estado-social e os contribuintes a pagar os erros, os buracos e a ganância de corruptos, especuladores do mercado? Como é que em dois anos não se aprendeu nada, continuando os Estados reféns dos mercados desregulados tal como estavam? Como é que se transforma a crise do modelo neo-liberal numa crise do estado-social? Como é que se põe em questão um dos maiores avanços civilizacionais dos últimos 30 anos? Eu sei, já são várias perguntas.
Há uma resposta: o mercado quer receber o que esbanjou, e já não há marcha-atrás. O cobrador do fraque não vai mudar de opinião e vai arrasar, confiscar e roubar tudo o que puder aos contribuintes. A política é ditada pelos mercados, pelo BCE, pelo FMI, pela Alemanha cuja despesa pública é das maiores da UE, e por todos os que continuam a ter dinheiro que influencia a tomada de decisões.

E é por tudo isto, que agora devo dizer, que já não estou tão convencido que Portugal não tenha que pedir ajuda ao exterior. Os mercados assim o exigem. A Espanha é a grande meta, e só lá chegam através da Grécia, da Irlanda e de Portugal. Dos dois primeiros estamos conversados, a seguir só posso imaginar. É o preço que temos a pagar por pertencer ao mercado. Há dois anos a UE falava a uma só voz, e incentivava o investimento público, hoje cada um fala por si e a Alemanha por todos mas sobretudo no seu exclusivo interesse, tentando desviar a atenção do seu país e mandando à fava 50 anos de integração europeia. O capitão devia ser o último a abandonar o barco. Confesso que o meu optimismo esmorece a cada dia que passa e se cair a Espanha como parece ser o interesse ainda não sei ao certo de quem, a UE pode ter os dias contados com tudo o que de negativo daí pode advir, nomeadamente a perda de influência no mundo cada vez mais chinês. A troca do estado social europeu pelo modelo de mercado liberal tout-court foi, afinal, o resultado da crise. Money makes the World go around.

2- A entrada do FMI em Portugal significa perda de soberania, de democracia e recessão. A redução de salários passaria de 5% a 10% para 20%, milhares de funcionários públicos no desemprego, flexibilização das leis laborais criando ainda mais desemprego com influência negativa no sector privado. Ignora-se uma das maiores e mais bem sucedidas reformas da Segurança Social em toda a Europa. Os cortes salariais estão feitos, a redução nas prestações sociais também, foi feita alguma reforma das leis laborais em 2008. O FMI quer um sistema de despedimento ao mesmo nível do preconizado por Passos Coelho, que curiosamente esta semana disse não se importar de governar com o FMI. Esquece-se de um pormenor. Não irá governar com o FMI, o FMI é que irá governar por ele. Já agora, Dr. Passos Coelho, não seja demagógico nem populista e compre uma prendinha às suas filhas no Natal. Não faça de nós parvos.

2 comentários:

Anónimo disse...

É curioso ler isto e quase que ficamos com a ideia: "que malandro este passos coelho....quer dar cabo de tudo isto.. quer premiar os preguiçosos, quer garantir rendimento a quem não trabalha nem com a ponta do dedo, quer até destruir um serviço nacional de saúde que é dos melhores... vai levar-nos à ruína, mas é dos melhores!!!! E ainda ousa despedir e flexibilizar o trabalho/despedimento...."
A única conclusão disto é: NÂO TEMOS DINHEIRO PARA SUSTENTAR O QUE CRIAMOS. Mas não o temos hoje, nem ontem, nem há 10 anos atrás. Alguém tem de o parar e já está mais do que provado que não será o José nem o Teixeira dos Santos que o conseguirão.
Alguém tem de mostrar categoricamente todas as mentiras que certos senhores andam a dizer e os números errados que apresentam, caso não queiramos ficar iguais à Grécia...Mas todos se estão a rir porque, criminalmente na Grécia, nada aconteceu a quem mentiu, a quem aldrabou, a quem lucrou com toda a governação desastrosa.
Enfim... o que não se pode fazer é cada um ter a sua explicação, ver à sua maneira. Por isso contribuo desta forma.....
Abraço,
N. Palas

Anónimo disse...

Eu sou apologista de um governo de união , e da nacionalização dos bancos. Primeiro porque eles continuam a ganhar lucros incríveis à vista de todose que só servem para encher a barriga de meia dúzia, depois porque continuo sem entender como é que o meu pai que tem uma casa comercial tem que pagar mais impostos que esses senhores.
Caso fosse tudo do estado a necessidade de encaixe para visar o lucro descrescia e mesmo que este lucro fosse reduzido em 50%, era dinheiro que o estado podia reinvestir no que faz falta desde escolas à saúde.
Por outro lado Portugal levou grande bombada com o Euro, porque em menos de 10 anos tivemos inflação em mais de 100% nalguns produtos, por exemplo o pão que antes custava 10 escudos agora são 10 cents, não sei o que se passa no resto das casas, mas na minha os ordenados não subiram tanto. Mas falando em termos que nos afectam directamente um fino antes eram 75 paus agora são a um euro, uma entrada no amiça 300 paus agora 3 euros.Eu saía de casa com 2 contos e trazia dinheiro depois de uma bela noitada...fazem isso hoje com 10 euros?
Por mim e sei que utopicamente era juntar os melhores em cada área fazer um governo de salvação e estar como dizia o velho Salazar...orgulhosamente sós!!!