sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Um país que persiste e insiste

A degradação da política e dos seus valores resulta quase sempre da actuação dos seus intérpretes. Os limites da decência e da vergonha não conhecem, por estes dias, fronteiras nem linhas vermelhas. O relatório da Comissão Europeia sobre os resultados da 8ª e 9ª avaliações faz referência de forma inaceitável e depreciativa a decisões do Tribunal Constitucional de Portugal, um país independente e soberano, que tem instituições soberanas e onde impera o princípio da separação de poderes, entre muitos outros, garantidos, felizmente, por uma Constituição. Mas contém ainda conjeturas acerca da forma como o TC deverá agir e decidir, pressionando levianamente uma instituição democrática, independente e soberana, nunca é demais repetir. A chantagem dos agiotas, venham de Bruxelas, do FMI ou da Alemanha tem como único objectivo garantir que os credores recebem o seu dinheiro, com juros a contento, marimbando-se para o país, para as pessoas e para a economia. Veja-se como a Alemanha tem um superavit de 7%, com medidas restritivas de importações, violando os tratados, a confiança, a solidariedade e a cooperação da UE.
Durão Barroso, o empregado de mesa na célebre reunião da base das Lajes, que 'legitimou' a invasão do Iraque, foi pago e promovido a empregado de mesa da Alemanha, e como sempre passou a mão no lombo de Merkel. Cá dentro, Passos Coelho, Cavaco e seguidores, correlegionários bafientos, de cuspe sempre pronto para lamber sapatos, comem e calam, em silêncio, sem qualquer laivo de dignidade ou de responsabilidade institucional de defesa da soberania de um povo que os elegeu para representar as suas instituições e a sua identidade. Aos sermões humilhantes de burocratas de corredor, baixam as orelhas como os alunos impotentes que querem ser bons mas que são limitados à única causa que conhecem: arranjar um caminho alternativo de subjugação e bajulação. O governo que sistematicamente provoca o TC e teima em legislar contra a lei é um governo que está de má-fé. O governo que canta em coro, com toda a complacência, a música que se toca lá fora é um governo de lesa-pátria. Um Presidente da República que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição e se põe com especulações de custo-benefício não está a desempenhar as suas funções com rigor. O enxovalho só conhece travão se ofenderem o Ronaldo e o futebol. E não, nunca vi ninguém comentar os Tribunais ou as Constituições de outros países, em particular da Alemanha, e que já tomou medidas no passado de grande impacto na UE.
Ontem, na Aula Magna, uma reunião em nome da defesa da Constituição, da democracia e do Estado Social contrastou com uma reunião de desobediência civil por parte das... polícias.
Quanto à primeira, Mário Soares, apesar de demonstrar alguma fraqueza própria da idade, um tanto ou quanto desbocado, nomeadamente quanto ao uso de expressões que quase incitam à violência, faz mais pelo país numa noite que Seguro num mês inteiro de total ausência de ideias.
Faz sentido uma reunião de esquerdas (que não foi exclusivamente das esquerdas) em defesa da CRP, da democracia e do Estado Social? Quando se abalam as fundações do edifício que é o garante da democracia em Portugal, quando se pressiona de uma forma inqualificável um Tribunal, órgão de soberania do nosso país e bastião da defesa da Lei Fundamental, de direitos, liberdades e garantias; quando o princípio da confiança não se pode aplicar aos cortes nos salários, nas pensões e nas reformas mas já se pode aplicar aos contratos privados da energia, das privatizações e das PPP´s, então sim faz todo o sentido.
Quanto aos polícias, é caso para perguntar: quem guarda os guardas? Factualmente os agentes de segurança violaram um cordão de segurança, de facto houve uma desobediência por parte das polícias, e isso, comparando com outros cidadãos que ali se manifestaram e foram alvo de cargas policiais, é injusto e discriminatório. No entanto, registo com agrado, tanto nas escadarias da AR como na Aula Magna um país que persiste e insiste em defender os seus direitos, as suas garantias, as suas instituições, os seus tribunais, ainda que com algum excesso de liberdade. Mas dessas e doutras liberdades tratamos nós, nas nossas instituições. No Brasil, país emergente, as manifestações são pela exigência de mais Estado Social, aqui são pela sua defesa e manutenção. Já agora vale a pena pensar nisto.

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