quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Da Justiça [2] - In dubio pro reo

A relação entre os meios de comunicação social e os tribunais é cada vez mais perigosa. Os processos que os media utilizam são sempre julgamentos na praça pública, sem olhar aos direitos de personalidade e de privacidade de uma pessoa que está a ser julgada e que tem direito à sua defesa. As novelas e o enredo que se criam à volta de um qualquer julgamento, que por isso se torna mediático, gera uma onda de juízes e advogados em nome das audiências televisivas e da venda de jornais. É então que surge a insídia, a perseguição, a calúnia e a condenação sumária a fazer lembrar a inquisição.
A exposição dessas pessoas à opinião pública leva a que, ainda que considerados inocentes, jamais o sejam aos olhos da restante plebe, formada à pressão em direito e ainda que nada sabendo do processo, das provas, da verdade material e processual, do julgamento e de leis ou de princípios legais. Julgam e são julgadas por aquilo que lhes é vendido.
No Portugal do século XXI, ouvi ontem, no chamado caso 'Rui Pedro', várias pessoas a apelarem à tortura, ao linchamento e ao regresso à idade média. Encorajadas pelo batalhão de jornalistas, sequiosos de polémicas e de agitação, a ignorância jorrou sobre a carcaça de um arguido considerado inocente, e custa muito observar que é a mesma ignorância de há 30 ou mais anos, assim como que um estado de graça natural do Portugal mesquinho e sempre mais esperto que o vizinho. Não sei se Afonso Dias é ou não culpado do rapto da criança. Dou-lhe o benefício da dúvida, assim como sei que o Tribunal, órgão de soberania nacional, o absolveu segundo o mesmo princípio. Um princípio constitucional segundo o qual ninguém deve ser considerado culpado até prova em contrário, que ninguém pode ser condenado sem provas evidentes e inequívocas de quem é o autor do crime. Que mais vale um criminoso à solta que um inocente na cadeia. Que em caso de dúvida existe uma obrigação legal de absolver.
Felizmente que ainda há Tribunais que não se deixam influenciar. Ao contrário do processo 'Casa Pia'. A pressão foi tanta que tinha que haver condenações. Os juízes desse colectivo não desempenharam como deviam a missão que o Estado lhes pôs nas mãos. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em relação ao recurso deste caso está aí: Acórdão considerado nulo em relação à casa de Elvas, diminuição de penas e mais absolvições. Ouvir-se-ão as frases feitas do costume, nas bocas ignorantes do costume: 'A Justiça não funciona', 'Não acredito na Justiça', etc. E os abutres partirão, esperando ansiosos por mais um processo 'mediático'.

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