terça-feira, 6 de outubro de 2015

O governo de Sócrates

O dia de reflexão que costuma ser na véspera do dia de eleições passou para o dia seguinte. O presidente da República, mesmo após ter dito que sabia perfeitamente o que ia fazer a seguir às eleições, tendo inclusivamente afirmado que já havia estudado exaustivamente todos os cenários possíveis pós eleitorais, decidiu tirar o dia 5 de Outubro para reflectir (acabei de ouvir a comunicação de Sua Excelência El Rei ao país e continuo sem perceber para quê tanta reflexão...?!). O presidente da República quis tirar folga num feriado que deixou de o ser e faltou às cerimónias de celebração da implantação da República. Se isto não dá direito a despedimento por justa causa não sei o que dará. Afinal quem é o presidente da República?

Noutro quadrante, o PS, que andou toda a campanha a explicar o seu programa (recomendo que em próximas eleições o PS se apresente sem qualquer programa que possa ser escrutinado), como se tivesse sido governo nos últimos 4 anos (por culpa própria), é agora curiosamente, arma de arremesso entre as várias forças políticas, à esquerda e à direita. António Costa que perdeu as eleições passa a ser o fiel da balança, com os seguristas à perna e a coligação a puxar por um braço e o BE e a CDU a puxar por outro. Costa não terá vida fácil. Terá que ser inevitavelmente relegitimado em congresso e/ou directas e terá ainda as presidenciais para resolver.
Não deixa de ser mesmo curioso que o PS, atacado por todos durante a campanha, tenha agora o apelo de todos para entendimentos e consensos quer à esquerda quer à direita.
Mas como criar uma aliança negativa de esquerda, uma força de bloqueio, ou o que lhe queiram chamar, com partidos que defenderam durante a campanha que o PS tinha um programa de direita? Como pode o PS fazer uma união à esquerda com partidos que defendem a nacionalização da banca, a saída do euro e da NATO ou a renegociação unilateral da dívida que tão 'bons' resultados deu na Grécia?
E como pode o PS deitar fora quase 2 milhões de votos e consentir numa política da direita de austeridade que jurou combater e eliminar, assobiando para o lado, como se não existisse?
Não pode fazer nem uma coisa nem outra... Um governo de esquerda é neste momento inviável e um bloco central é indesejável quer por Passos Coelho e Portas, quer por Costa. O caminho tem que ser feito pela coligação recém eleita... querem consensos? Peçam ao PS por favor... Criem as condições para isso. Quem quer governar com maioria relativa tem que ter a iniciativa. A partir de agora a bola rola baixinho. E o PS tem o dever de se abster violentamente, para já... e só no OE para 2016 (ninguém perdoaria se assim não fosse e o PS arriscaria um suicídio e uma maioria absoluta da coligação nas necessárias eleições subsequentes)... Para o ano se verá...
É a democracia...
Ainda não sei se os portugueses recompensaram a austeridade, se a chumbaram... Acredito, todavia, na segunda hipótese. Deram a vitória à coligação, mas também deram uma maioria de esquerda no parlamento. A coligação perdeu 700 mil votos, o CDS tem menos 1 deputado que o BE. Se tivesse que apostar, não ficaria tão contente como Schauble ou Dijsselbloem... E o facto de se dar a estes dois homens uma razão para provarem a sua teoria de terra queimada custa-me mais a engolir que tudo o resto... Mas o povo é soberano, o povo é sereno. E a mensagem da coligação assente no medo de fantasmas passados, de chantagem e de auto-comiseração, foi nitidamente mais eficaz que a mensagem que o PS não conseguiu passar... por culpa própria.
Ainda assim, confesso que fiquei espantado, preocupado e apreensivo com o resultado eleitoral destas legislativas. Aceito obviamente os resultados, mas que ninguém me peça que concorde com eles. Resultados que acabaram por premiar um governo que secou tudo à sua volta, que quis ir além da troika, que aplicou a austeridade como ideologia, que viveu em confronto com a Constituição, martelou números em nome do défice, fez emigrar mais de 400 mil portugueses (que pelos vistos não teem família), aumentou a dívida, empobreceu o país, desbaratou o emprego e aumentou o desemprego, vendeu todos os sectores estratégicos do país ao desbarato (segue-se a CGD e a Água), lançou o caos na educação, na saúde e na justiça (onde andaram os professores e os sindicatos???). Como se não bastasse, este foi o governo de Gaspar, Relvas, do Álvaro, de Machete, de Poiares Maduro, do irrevogável Portas, do primeiro Ministro que não pagou impostos, de Paula Teixeira da Cruz, de Nuno Crato e de Miguel Macedo, dos vistos gold e das listas vip... Mas este foi ainda, ao que parece, o governo de José Sócrates...
É a democracia...

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