quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Príncipe, o Papa e o Mártir

O último fim-de-semana foi histórico em todos os sentidos. Começou na sexta-feira com o casamento real na Inglaterra. A monarquia britânica lá conseguiu mostrar ao mundo como vive bem com as jóias da Coroa, e terá também conseguido o vital balão de oxigénio para mais uma dúzia de anos de amor plebeu incontestado e incondicional. Isto se o príncipe William não sair ao pai...é que saindo ao pai e trocando a cândida Kate por uma qualquer desenterrada, violando até a fidelidade matrimonial, lá se vai o elã comercial da casa real. Assistimos ainda assim a uma portentosa demonstração de bajulação plebeia, o desfile dos aristocratas para súbdito ver. A fazer lembrar a Idade Média, só que desta vez com televisões.

No domingo, o dia da Mãe, o dia do Trabalhador, o 1º de Maio. Já por si suficiente, até nos brindarem com mais uma grande operação de marketing. O 'lifting' em directo para todo o mundo da Igreja Católica. Mais uma enorme demonstração política do decadente Estado do Vaticano. A beatificação do Papa João Paulo II, patrocinada pelo seu sucessor, sem respeitar os habituais 5 anos de espera, apoiando-se num 'milagre' arrancado a ferros, escondendo as obscuras manobras financeiras do Vaticano, a sua gestão negativa, e a renúncia do defunto beato em investigar e punir os padres pedófilos do mundo...
Karol Wojtyla foi o Papa mais conservador dos últimos cem anos, cerrou a porta à reaproximação da sociedade laica, ao debate com outras religiões, à contracepção e ao papel da mulher na Igreja. Não lhe interessou discutir o celibato nem a escassez de sacerdotes. Não se preocupou com a modernização e abriu um abismo entre uma Igreja cada vez mais conservadora e uma sociedade civil cada vez mais laica e desinteressada. Os escândalos morais de uma Igreja vergada ao mundano fizeram descer à terra os iluminados por Deus, para serem confrontados pelos livres pensadores, que encontraram nos livros de história explicações para o fenómeno da Cristandade e pecados mortais calados na fogueira perpretados em nome da Igreja e de Deus. A apressada multiplicação de beatificações e canonizações tenta suprir o défice de interesse. João Paulo II estabeleceu um recorde histórico com 113 beatificações e canonizações em 25 anos, inclusivé, o polémico fundador da Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer. Agora chegou a sua vez, numa beatificação propagandística e política, que do divino não tem nada...
O renascimento do fundamentalismo e do fanatismo em várias partes do mundo cristão, muçulmano e hindu, desde os anos de Ronald Reagan e João Paulo II, mais espectacularmente nos anos de Bush júnior, as últimas décadas vêm crescer atitudes que vão da simples indiferença ante a religião organizada ao ateísmo militante. A Igreja encolhe-se e a instituição que moldou a civilização ocidental pouco a pouco vai-se transformando numa entre muitas seitas reacionárias e intolerantes.

Tudo isto desemboca na espectacular e hollywoodesca morte de Bin Laden. Dez anos e milhões de dólares depois, a caça ao homem teve o seu epílogo domingo de madrugada. Desengane-se quem pense que o terrorismo acabou. Muito provavelmente, tal como os católicos fazem com os seus beatos e santos, também os muçulmanos o farão com Bin Laden. Farão dele um mártir da jihad, e a vingança segue dentro de momentos. As religiões nunca serviram o homem, os homens sempre se serviram da religião. Não há um meio termo, política, religião e economia são e serão factores de divisão e de guerra. Os americanos ganharam uma batalha, mas perderam muitas mais. Preferia Bin Laden vivo e entregue à justiça internacional. Ao que julgo saber foi executado. Outros executarão muitos mais. A guerra não acaba aqui. Uma nova ordem mundial emergirá ainda neste século. Estamos a assistir ao seu início, e espero que a humanidade triunfe sempre, ou se quiserem, num plano mais celestial, o Bem sobre o Mal. Não preciso de nenhum Papa, nem de qualquer religião que me ensine a distinção.

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