terça-feira, 13 de julho de 2010

Golden State



Nunca como hoje, o debate ideológico esteve tão no centro de toda a querela político-partidária (tirando o período do PREC). E, como não poderia deixar de ser, a crise é o elemento fulcral em que se exprime em todo o seu esplendor a dicotomia entre esquerda e direita democrática.
O que parecia ser um "simples" negócio entre duas empresas, transformou-se subitamente numa arma de arremesso político, entre os paladinos da social democracia estatal e os chamados liberais, ou neo-liberais, que para mim são uma e outra face da mesma moeda. Falamos, claro, do badalado negócio PT/Telefónica.
Antes de mais, convém saber o que é uma "golden share". Por "golden share", entende-se uma acção ou conjunto de acções de capital, detidas numa determinada empresa, por um accionista, que pode ou não ser o estado, mas que por via dela, ou delas, tem direitos especiais de voto ou de veto, sobre uma qualquer decisão dessa mesma empresa, apesar ou mesmo que seja uma participação minoritária, e que lhe advém dos estatutos da empresa. No caso PT, o estado tem uma "golden share" de 500 acções, que constam do respectivo estatuto da empresa, e que foram aí incluídas aquando da sua privatização.
Portanto, as empresas que entraram no capital da PT, já sabem e já sabiam, que constava e que consta nos estatutos, uma "golden share" a favor do estado português.
Entretanto, aconteceu a oferta da Telefónica espanhola, sobre a participação da PT na VIVO, no Brasil, participação essa de 30%. Ricardo Salgado, presidente do Conselho de Administração do BES, accionista da PT, esfregou as mãos com a oferta da Telefónica, parece que já estou a ver os cifrões nos olhos do senhor, apesar de ter dito há um mês atrás e cito "a golden share do estado não vai permitir que o negócio aconteça", mas se se tratasse de uma OPA, cito de novo o senhor Salgado "o estado deve usar a golden share", isto dito há três dias. Pudera, uns milhões pela compra da VIVO, venham eles, agora comprar a PT é que não. E assim, vendo a oportunidade, logo Passos Coelho, formou aliança com o senhor Salgado, não é todos os dias que se conta com o apoio do BES em caso de eleições (€), e no caso do PSD, será a primeira. Esperto o senhor, que até já disse e cito Passos Coelho "eu vendia todas as golden shares que o estado tenha", mas não se ficou por aqui, por estes dias foi a Espanha, sim, à Espanha da Telefónica (pasmem-se), e disse "Portugal gastou entre 1973 e 1999, 15% do PIB em prestações sociais!", esqueceu-se foi de dizer que a Telefónica, se calhar ainda enraizada naquele sentimento espanhol de especial arrogância, não negociou com o estado português detentor da "golden share", não negociou com o Conselho de Administração da PT, nem sequer com os accionistas portugueses, limitou-se a mandar ste mil milhões para o ar, e o BES, a Ongoing e os tugas lá votaram a favor da venda.
Só quero dizer ao senhor Passos Coelho, que de certeza não vai ver nem ouvir, que entre 1973 e 1999, aconteceu uma coisita sem importância que foi o 25 de Abril de 1974, aconteceu que 5 milhões de portugueses não tinham acesso à saúde, e nós tolos lá decidimos gastar uns trocos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), havia 20 vezes mais analfabetos do que licenciados e lá foram eles outra vez investir na escola e na Universidade pública, mas registo com preocupação que o Portugal correcto é o de 1973 para o sr. Passos Coelho, que vai erradicar o estado do mercado, acabando com toda e qualquer regulação (afinal não foi isto que deu na crise internacional?), vai liberalizar os despedimentos e vai mandar à fava as prestações sociais (SNS incluído).
Voltando à PT, e não é que o estado utilizou mesmo a "golden share", que os estatutos da PT permitiam?, e não é que o Presidente da República concordou (talvez já em campanha), e não é que a Comissão Europeia através de Durão Barroso (tuga desde pequenino) fez queixa ao Tribunal Europeu?, e não é que o Tribunal Europeu condenou o estado português por utilizar a "golden share", mesmo estando nos estatutos votados pelos accionistas, mesmo sabendo que a Telefónica em 2005 foi o promeiro caso de uso de direitos especiais por parte de um estado?, assim com depois a Itália, o Luxemburgo e a Bélgica?, e não é que ainda ninguém cumpriu as resoluções do Tribunal Europeu?, continuam a pagar multas mas não acatam as decisões?
Pergunta de um federalista europeu como eu - Quem é a UE para dizer a Portugal o que é interesse público ou estratégico?
Está na hora de repensar tudo isto, desde o Tratado de Lisboa (engole em seco Sócrates), até às participações sociais do estado em empresas de interesse público e de estratégia nacional.
Por mim, não se privatizam a ANA, os CTT, a REN, etc, (ouviu sr. Ministro das Finanças?), e já sabemos que Passos Coelho vai vender o país a quem der mais, num surto de neo-liberalismo como nunca tinha visto, vamos ficar entregues aos Ricardos Salgados deste país, e lá se vai a saúde e o ensino público, que como têm que dar lucro vai ser só para quem os puder pagar, ou seja 10 a 15% de afortunados.
Depois quando começarem as falências por má gestão e prémios avultados a especuladores e accionistas privilegiados, não se esqueçam de pedir ajuda ao estado e aos contribuintes, como no caso BPP e BPN.
No fim, o estado é que suporta tudo, não acham?

4 comentários:

Mário Barreira disse...

Gosto de ler as coisas que escreves para poder comentar e fazer sempre que possível o contra ponto, cá vai:
- É fraquinho o Passos Coelho, veja-se como se veja ir para Espanha falar mal de Portugal nunca fica bem, mas isto vai de encontro ao que já tenho dito que o tipo não presta.
- Quanto à Golden Share eu entendo que em determinadas empresas o Estado quando procede à privatização deve acautelar o mais alto interesse da nação. Fica nos estatutos e depois aplica-se ou não conforme as circunstâncias. No caso concreto da venda de 50% da Braziltel, que é a holding da PT e da Telefónica que controlam 60% da Vivo, não entendo é onde está o mais alto interesse da nação Portuguesa em vender ou não. Vamos a números, a PT tem recebido cerca de 250 milhões por ano de dividendos, a oferta da Telefonica representa o pagamento adiantado de 29 anos de dividendos, que depois a Pt, podia aplicar como fosse pertinente, aliás podia fazer algo interessante como seja comprar uma substâncial participação na Telefónica 440 milhões de acções da telefónica, que paga 1 euro de dividendo por ano, ou seja, antes de impostos a PT receberia 440 milões de euros, e são estas as contas que os accionistas eventualmente fizeram, para votarem sim, e eu pergunto-me se o interesse estratégico Português não ficaria melhor servido ao comprarmos uma boa parte de uma empresa Espanhola com o dinheiro deles? ... Era bonito.

António Magalhães disse...

Roger, gosto muito do que fizeste aqui... encontraste uma muito boa forma de expor as tuas ideias, das quais partilho a grande maioria.
Mário, o interesse nacional de defender a posição da PT na VIVO é que estamos a falar da maior rede de comunicações móveis num dos países em maior ritmo de expansão. Com essa expansão, é expectável que a VIVO continue a crescer como até aqui (ou mais) e que os dividendos a receber pela PT aumentem consideravelmente, pelo que essas contas podem não ser assim tão lineares.

Mário Barreira disse...

Defender o interesse nacional passa sempre por proteger algumas empresas nacionais das investidas de empresas estrangeiras, por exemplo se a Telefónica tentasse comprar a PT, parece-me que o estado teria toda a legitimidade para travar o negócio. Quanto ao negócio da VIVO vender ou não vender tarduz-se apenas em dinheiro, ou seja, se a oferta for suficientemente grande deve-se vender para com o dinheiro fazer-se outro negócio e assim sucessivamente, porque esse é o objectiva das empresas. Quanto à grandeza e crescimento da VIVO é verdade que é a maior operadora móvel do estado de São Paulo, e também é verdade que o Brasil como pais emergente terá um crescimento brutal e a Vivo certamente que acompanhará esse crescimento, agora o que também é verdade é que a Telefónica pode impedir a destribuição de dividendos da VIVO pois têm poderes para isso, como o estado Português poderia também impedir a distribuição de dividendos extraordinários na PT resultantes da venda da VIVO, e assim a PT arrisca-se, a receber no próximo ano 0 reais de dividendos.

Mário Barreira disse...

Para terminar este assunto que provoca tantas opiniões divergentes, quero dizer que na minha opinião a PT vai acabar por vender se a Telefónica subir o preço para 9 ou 10 mil milhões, sendo certo que pode ir até aos 11, que já têm aprovação para um empréstimo desse valor. Mas existe uma questão que ainda não se levantou - e os indigenas - não riscam nada, não têm também eles interesse nacional a proteger.
A nossa discussão trata os do outro lado do mar como uma colónia ...