O atual momento da guerra na Síria revela perigos
que não devem ser ignorados. Após sete anos de conflito, assiste-se a um novo
agravamento da violência.
O conflito que há muito deixou de ser uma guerra
civil entre o regime de Bashar al-Assad (um dos maiores genocidas da história
recente) e os múltiplos movimentos de oposição transformou-se numa luta pela
afirmação de interesses e influência de atores externos: da Rússia aos Estados
Unidos, passando pelo Irão, Turquia, Israel e Estados do Golfo.
Significa que estamos perante múltiplos conflitos,
em paralelo, no mesmo cenário de guerra, e que encontra na Síria atual um
ambiente propício para o confronto. Ignorar esta complexa realidade impede
soluções e promove uma fundada inquietação quanto ao futuro próximo.
A passividade perante a tragédia humanitária na
Síria enche de vergonha o mundo inteiro. De acordo com a ONU, desde o início do
conflito, em Março de 2011, calculam-se mais de 250 mil mortos, 5.,5 milhões de
refugiados, 6,1 milhões de deslocados internos e 13,1 milhões de pessoas a
necessitar de ajuda humanitária. Em Ghouta, as ações militares das últimas
semanas provocaram centenas de mortos, entre os quais dezenas de crianças, e um
cerco à cidade que resulta em escassez extrema de alimentos e medicação,
deixando ao abandono milhares de feridos.
Chocam as imagens de destruição. A resposta
internacional foi a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que
exigia um cessar de hostilidades por 30 dias e uma “pausa humanitária” que
permitisse a entrada de ajuda e evacuações médicas. Em Ghouta, continuaram os
ataques e cresceu o número de vítimas. As reiteradas violações de resoluções do
Conselho de Segurança da ONU leva a questionar para que serve, quando todos os
envolvidos têm responsabilidade direta nessas violações. Aprovam a resolução e
são os próprios que não a respeitam. Fracassadas as iniciativas diplomáticas,
escasseiam soluções. Os Estados Unidos reduzem-se a posições de condenação,
consideram responsabilidade russa controlar o regime de Damasco e avaliam novas
soluções militares. Com Trump nada é certo e a qualquer momento, como se viu
recentemente, pode dar uma cambalhota de 180 graus.
O impasse na Síria resulta da passividade e apatia
internacional, mas também da banalização de uma violência que diariamente
inunda os cidadãos, tornando a exceção uma regra. A inação face à tragédia na
Síria não é apenas um problema no Médio Oriente, é um sinal de alerta para as
sociedades liberais, defensoras dos direitos e da dignidade humana.
O cocktail explosivo que sempre foi o Médio
Oriente, com particular enfoque em Israel e agora na Síria, a que se soma a
política de cambalhota de Trump e Putin, mais os ódios religiosos, tornam o
conflito sírio uma bomba relógio que poderá tomar proporções catastróficas.
À míngua de líderes na Europa capazes de ter uma
voz ativa, o que nos entra pela casa adentro é a visão perturbadora de crianças
desamparadas pela fome e pela guerra, cobertas de sangue inocente. A impotência
de uma Europa que não sabe o que quer e assiste a tudo com a ligeireza
meteorológica batizada com um nome qualquer.
O que se pode fazer é a pergunta que se impõe. Em
primeiro lugar dizer a verdade e transmiti-la. Lutar contra a propaganda que
retrata os civis sírios como terroristas legitimando assim as suas mortes.
Espalhar que o regime ditatorial de Assad assassinou milhares de crianças com
recurso a armas químicas. Denunciar os seus crimes contra a Humanidade.
Denunciar os interesses estratégicos e geopolíticos das potências mundiais e
regionais envolvidas, ignorando sempre as vítimas e a ajuda humanitária.
Mas sobretudo, o que podemos fazer é acolher e
ajudar os refugiados a sentirem-se bem-vindos e apontar o dedo aos xenófobos
mesquinhos que usam expressões como ‘não quero cá terroristas’, ou ‘ vão roubar
os empregos’.
O que pode fazer o governo? Denunciar o regime
sírio ao Tribunal Penal Internacional. Fazer lobby na UE para aumentar a pressão e as sanções à Rússia e ao
Irão. Reforçar de uma vez por todas o seu compromisso com os refugiados.
Fazer-se ouvir nas várias plataformas internacionais a que pertence, UE, NATO,
ONU…
E porquê? Porque
intervir para salvar vidas de civis não é apenas uma responsabilidade
humanitária mas uma obrigação moral.
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