quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Sem diálogo, só censura


Quando a democracia amolece, e surgem alguns focos de corrupção, o caminho está aberto para a proliferação dos populismos. Os populistas usam o medo, exploram o ódio e as notícias falsas (‘fake news’) para os seus fins eleitoralistas e têm nas redes sociais um amplo campo de divulgação, bem assim como nos jornalistas avençados protegidos por editores e proprietários cujo único objetivo é o lucro e não dar notícias. Constroem uma narrativa anti-sistema apoiada num discurso intolerante e nacionalista, aproveitando momentos de fragilidade social nos respetivos países. E, muitas vezes sendo estranhos à política, dela se servem para apregoar que dela nunca viveram. Esquecendo-se que provêm da sociedade civil, tal como os políticos. A crise de valores está no seu apogeu, e cresceu com os devaneios do neoliberalismo desregulado. O sentimento de injustiça de lá para cá aumentou quando chamaram muitos a pagar a ganância de uns poucos. Com o aumento das desigualdades e do desemprego que a crise gerou, aliadas à moratória de ataque aos próprios estados soberanos instalou-se nos povos um profundo sentimento de insegurança, injustiça e impotência. Quando os líderes entregaram aos especuladores a iniciativa de ‘castigar’ os estados e as pessoas pelos erros que aqueles tinham cometido e pelo visto continuam a cometer, o espartilho apertou-se ainda mais.
As falsas promessas dizem ao povo o que ele quer ouvir, mesmo que o que se diga seja xenófobo, racista e intolerante. Assim é com Trump, que apesar de populista e extremista ainda não é um ditador. Assim é com Bolsonaro, que ainda não sabemos se o irá ser, apesar de o ter dito. O voto do Brasil não foi em Bolsonaro na sua maioria, foi, com a ajuda das ‘fake news’ pagas por elitistas que se movem no desprezo pela ética, um voto contra o sistema e contra o PT de Haddad. Votar contra e não a favor é sempre um exercício perigoso e espero que os brasileiros não se venham a arrepender.
Mas que não restem dúvidas, se a opção é por uma democracia com mais ou menos defeitos, mas democracia, ou por um laivo sequer de uma possível ditadura fascista, a minha caneta estará sempre do lado da democracia, combatendo seja quem for que pense o contrário. E não, não é tolerável que se aceite quem pense o contrário, apesar de o poderem fazer, como só o pode fazer quem vive em democracia.
Venham de onde vierem, da Venezuela, do Brasil, da Turquia ou da Coreia do Norte. Não há diálogo possível com extremistas, ditadores, xenófobos ou racistas. Mas deve haver combate onde os próprios falham. Na discussão da falácia dos seus argumentos. Sem medo ou hesitação, porque há por aí muitos ‘bolsonaros’ saudosistas e conservadores que à míngua de conhecimentos valorizam a sua percepção e ignoram os factos.


Publicado in "A Voz de Chaves", em 15 de novembro de 2018

sexta-feira, 13 de julho de 2018

A maior das celebrações


No passado fim-de-semana Chaves celebrou mais um dia da cidade. Com eventos, concertos e animação como não se via há muito tempo.
Mas, o maior dos eventos ocorreu mesmo na tarde de domingo, dia da cidade. E traduziu-se na assinatura do protocolo/contrato-promessa de cedência das instalações da Escola Superior de Enfermagem de Chaves à Cruz Vermelha Portuguesa.
A Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa (ESSCVP) integrada no Ensino Superior Politécnico desenvolve a sua atividade no âmbito do ensino superior da saúde e permitirá criar em Chaves uma verdadeira escola superior de saúde, com a certeza de que já no próximo ano abrirão mais cursos para técnicos de saúde em imagiologia, radioterapia e fisioterapia.
A Cruz Vermelha Portuguesa administra ensino superior há cem anos e tem em Lisboa e Oliveira de Azeméis duas escolas superiores de saúde de excelência, do melhor que há no país. A possibilidade, agora real, de haver em Chaves uma escola superior de saúde do mesmo nível é motivo para que o dia da cidade do passado domingo possa ser celebrado nos próximos anos.
Ao mesmo tempo resolvem-se os problemas de cariz pedagógico e de funcionamento respeitantes às dificuldades financeiras da atual Escola de Enfermagem.
A cooperação com a Cruz Vermelha Espanhola permitirá ainda promover a frequência de estudantes da nossa vizinha Galiza, com creditação de todos os cursos nos dois lados da fronteira.
A solução encontrada pelo executivo municipal, integrando a Escola Superior de Enfermagem de Chaves na rede nacional de escolas superiores de saúde da Cruz Vermelha Portuguesa é a melhor e maior notícia para o concelho de Chaves e para o Alto Tâmega dos últimos anos, com a ambição de em quatro anos termos em Chaves 1500 alunos no novo pólo de saúde que será criado aqui. 1500 alunos no ensino superior em Chaves é uma pedrada no charco, é sem dúvida acordar Chaves. Até parece mentira…
Chaves terá ensino superior de qualidade e em quantidade, fixando população jovem e dando-lhe condições para em parceria com o Centro Hospitalar e as Termas aqui permanecerem. É um avanço estratégico sem precedentes para o concelho, cujos frutos serão colhidos a breve trecho.
É assim que se governa em prol do interior e das suas populações, é assim que se combate o problema da demografia ou da falta dela como é o caso, e é assim que com tempo se irão resolvendo outros problemas… Outras boas notícias se seguirão em breve. Com tempo… ninguém corre em oito meses depois de um coma de dezasseis anos… é necessária muita fisioterapia.

Publicado in "A Voz de Chaves", em 12 de julho de 2018



quinta-feira, 5 de abril de 2018

O esgoto do mundo


O atual momento da guerra na Síria revela perigos que não devem ser ignorados. Após sete anos de conflito, assiste-se a um novo agravamento da violência.
O conflito que há muito deixou de ser uma guerra civil entre o regime de Bashar al-Assad (um dos maiores genocidas da história recente) e os múltiplos movimentos de oposição transformou-se numa luta pela afirmação de interesses e influência de atores externos: da Rússia aos Estados Unidos, passando pelo Irão, Turquia, Israel e Estados do Golfo.
Significa que estamos perante múltiplos conflitos, em paralelo, no mesmo cenário de guerra, e que encontra na Síria atual um ambiente propício para o confronto. Ignorar esta complexa realidade impede soluções e promove uma fundada inquietação quanto ao futuro próximo.
A passividade perante a tragédia humanitária na Síria enche de vergonha o mundo inteiro. De acordo com a ONU, desde o início do conflito, em Março de 2011, calculam-se mais de 250 mil mortos, 5.,5 milhões de refugiados, 6,1 milhões de deslocados internos e 13,1 milhões de pessoas a necessitar de ajuda humanitária. Em Ghouta, as ações militares das últimas semanas provocaram centenas de mortos, entre os quais dezenas de crianças, e um cerco à cidade que resulta em escassez extrema de alimentos e medicação, deixando ao abandono milhares de feridos.
Chocam as imagens de destruição. A resposta internacional foi a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que exigia um cessar de hostilidades por 30 dias e uma “pausa humanitária” que permitisse a entrada de ajuda e evacuações médicas. Em Ghouta, continuaram os ataques e cresceu o número de vítimas. As reiteradas violações de resoluções do Conselho de Segurança da ONU leva a questionar para que serve, quando todos os envolvidos têm responsabilidade direta nessas violações. Aprovam a resolução e são os próprios que não a respeitam. Fracassadas as iniciativas diplomáticas, escasseiam soluções. Os Estados Unidos reduzem-se a posições de condenação, consideram responsabilidade russa controlar o regime de Damasco e avaliam novas soluções militares. Com Trump nada é certo e a qualquer momento, como se viu recentemente, pode dar uma cambalhota de 180 graus.
O impasse na Síria resulta da passividade e apatia internacional, mas também da banalização de uma violência que diariamente inunda os cidadãos, tornando a exceção uma regra. A inação face à tragédia na Síria não é apenas um problema no Médio Oriente, é um sinal de alerta para as sociedades liberais, defensoras dos direitos e da dignidade humana.
O cocktail explosivo que sempre foi o Médio Oriente, com particular enfoque em Israel e agora na Síria, a que se soma a política de cambalhota de Trump e Putin, mais os ódios religiosos, tornam o conflito sírio uma bomba relógio que poderá tomar proporções catastróficas.
À míngua de líderes na Europa capazes de ter uma voz ativa, o que nos entra pela casa adentro é a visão perturbadora de crianças desamparadas pela fome e pela guerra, cobertas de sangue inocente. A impotência de uma Europa que não sabe o que quer e assiste a tudo com a ligeireza meteorológica batizada com um nome qualquer.
O que se pode fazer é a pergunta que se impõe. Em primeiro lugar dizer a verdade e transmiti-la. Lutar contra a propaganda que retrata os civis sírios como terroristas legitimando assim as suas mortes. Espalhar que o regime ditatorial de Assad assassinou milhares de crianças com recurso a armas químicas. Denunciar os seus crimes contra a Humanidade. Denunciar os interesses estratégicos e geopolíticos das potências mundiais e regionais envolvidas, ignorando sempre as vítimas e a ajuda humanitária.
Mas sobretudo, o que podemos fazer é acolher e ajudar os refugiados a sentirem-se bem-vindos e apontar o dedo aos xenófobos mesquinhos que usam expressões como ‘não quero cá terroristas’, ou ‘ vão roubar os empregos’.
O que pode fazer o governo? Denunciar o regime sírio ao Tribunal Penal Internacional. Fazer lobby na UE para aumentar a pressão e as sanções à Rússia e ao Irão. Reforçar de uma vez por todas o seu compromisso com os refugiados. Fazer-se ouvir nas várias plataformas internacionais a que pertence, UE, NATO, ONU…
                E porquê? Porque intervir para salvar vidas de civis não é apenas uma responsabilidade humanitária mas uma obrigação moral.