sexta-feira, 15 de abril de 2016

O alfaiate do Panamá



O escândalo com as possíveis fugas ao fisco de líderes, estrelas e artistas mundiais, do BES e de multinacionais não chega a ser notícia. Já sabíamos da existência destes labirintos. O que é escandaloso e merece notícia é podermos ver como funciona o capitalismo globalizado em que vivemos, em que o sistema financeiro e económico legítimo trabalha nas mesmas casas de apostas que o crime organizado, usando estratagemas semelhantes e com o mesmo objetivo: esconder o dinheiro. Os paraísos fiscais são um mundo opaco, cujo objetivo é permitir que não seja conhecido o verdadeiro dono do dinheiro que lá está depositado, fazem poucas perguntas e fecham bem os olhos.
Já sabíamos que parte das grandes fortunas pessoais no mundo, bem como receitas equívocas de conglomerados empresariais, usam offshores para enganar Estados e roubar contribuintes. Não é novidade para ninguém a existência das offshores, do Swiss Leaks e do Lux Leaks onde o atual presidente da Comissão Europeia apareceu como facilitador da evasão fiscal. Também já sabíamos que apenas uma empresa do PSI 20, em Portugal, tem cá a sua sede fiscal. A globalização da falcatrua é o mundo em que vivemos e que nos habituamos a aceitar. A democracia que se conhece hoje em dia lava mais branco e recusa aceitar o Estado regulador e que impõe a lei. O capitalismo financeiro globalizado, que verga Estados e joga no casino da banca precisa da selva para se movimentar. Com o beneplácito dos líderes europeus, fortes com os fracos e fracos com os fortes, e que se rendem facilmente ao poder financeiro, substituindo rapidamente a política por tecnocratas que olham para as pessoas como números. Líderes europeus que pagaram à Turquia para varrer refugiados para debaixo do tapete.
Apostas de casino a que a banca se foi habituando sob o 'manto protetor' do Estado, obrigado a chamar os contribuintes para pagar a fatura. Uma banca privada que conta com o conforto de ter sempre no Estado o último garante. Pode ser que comece finalmente a discutir-se que papel deve ter o Estado como regulador, uma vez que os privados nunca assumem as suas responsabilidades por má gestão, assim como todo o sistema bancário que nacionaliza o risco e as perdas e privatiza o lucro.
Brincar aos bancos é fácil se houver sempre a certeza que no fim os Estados e os contribuintes pagam a brincadeira. É essa a verdadeira mão invisível do mercado e da banca desregulados. E o regabofe de brincar ao capitalismo continua, com os mesmos atores que deitaram abaixo a economia mundial, sentados nos mesmos lugares, com exceções aqui e ali.
Este tipo de capitalismo, sem lei, está corrompido e cresce de uma forma gananciosa e complexa, nos cantos escondidos do cartel financeiro mundial. Quanto mais complexo, maior a dificuldade de regulação. A transparência é uma mera nota de rodapé. O grande drama do capitalismo é a falta de regulação num labirinto de burocracia e de interesses pouco éticos e até criminosos.
E quando alguém tenta assegurar e defender os interesses do Estado, como no caso recente de António Costa e o BPI, secundado pelo atual Presidente da República, logo saltam a terreiro os paladinos da cartilha neoliberal em defesa da não ingerência pública em assuntos privados. O caso BANIF ainda não terminou e já parece que desejam outro. Porque quanto menos se puder cobrar impostos ao factor capital, mais se cobrará aos rendimentos do trabalho. É este o sistema capitalista e globalizado atual. Onde uns escondem, os outros pagam a dobrar. E o que se esconde em Portugal dá para pagar todo o SNS. É um fato à medida e chamam-lhe austeridade...

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