sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A vaca e o burro

O burro por ser uma espécie em vias de extinção precisa de ser saneado dos anais da história. Expressões como "E o burro sou eu?" podem tornar-se anacrónicas e incompreensíveis para o comum dos mortais. O Papa, prevendo a sua extinção a breve prazo, resolveu, numa tirada messiânica eliminá-lo do presépio, como testemunha do nascimento de Cristo. Assim, por esta via, estará garantida a fé dos homens nos próximos séculos. Seria o caso de, aquando do nascimento do Salvador, uma das suas testemunhas principais ter sido um dinossauro. Como tal não era possível, porque à data tal espécie já teria sido vaporizada há milhares de anos, não fazia sentido daqui a cem ou mais anos, que ao lado de Maria Nossa Senhora, acabada de parir o Messias, estivesse um burro, espécie já extinta e impossível de reproduzir e santificar.
Já o caso da vaca é diferente. Também não faz qualquer sentido que num par de testemunhas de Jeová, exista uma vaca sem estar acompanhada de um burro. Na presente realidade, a premissa mantém-se. Personificando as espécies, todos podemos assistir na rua ou noutro sítio qualquer, que assim é efectivamente. Se qualquer vaca estiver acompanhada do seu macho, é mais que óbvio, que o macho só pode ser burro. Assim, a vaca foi também afastada do cenário.
Mas só isto não chega. Numa visão estratégica de futuro, o Vaticano foi ainda mais longe e apagou dos céus a estrela que guiou os Reis Magos até à manjedoura onde repousava o menino. Também faz sentido. Ninguém percebe porque é que três artolas tenham decidido seguir uma estrela. Seria o mesmo que durante uma grande tertúlia bem regada, qualquer de nós se decidisse teimosamente a fixar um ponto de luz no céu e segui-la com o olhar na esperança de que esta nos levasse a casa.
A fé dos homens tem caminhos insondáveis, e mesmo após séculos de escândalos, mortes, censuras, parábolas e interpretações duvidosas, continua para mim um mistério como é que alguém é capaz de engolir estas patranhas. Agora foi a vez do burro, da vaca e da estrela. O Papa esteve lá e atesta que estes não estavam. Qualquer dia não estava lá ninguém e os Reis Magos dormiram no primeiro estábulo que encontraram para curar a bebedeira.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O salva-vidas que espera pelo afogamento

O barulho... tanto ruído... todos falam e ninguém se entende, mas sobretudo o que espanta é que não haja acção. Cimeira após cimeira, conselho atrás de conselho, reunião depois de reunião e a Europa não consegue um salto de fé que a faça unir-se em volta de uma ideia que já foi muito boa. À falta de responsabilidade de uns junta-se a falta de solidariedade de outros, a magna carta social e democrática, de expansão e desenvolvimento foi substituída pela cartilha de intenções e destruidora de um estado social que ninguém está disposto a continuar a pagar. Ou está? Na Alemanha o estado social avança e aumenta sob a égide da austeridade. Se é verdade que são eles que pagam, também é verdade que são eles que beneficiam. E não se iludam, vão receber em juros, muito mais do que pagarão. Aí não corremos o risco que a torneira feche. O risco é que a situação se prolongue ao largo do Atlântico, em países com água pelos joelhos, sem esperança e amordaçados, esperando que a água não suba.
O que o OE de 2013 faz à economia em Portugal é virar o país dos avessos, de pernas para o ar, e onde a água chegava aos joelhos, chegará ao pescoço porque a cabeça está dentro de água. O afogamento é mais que previsível, menos para os salva-vidas embriagados de ideologias cegas, que olham do alto da cadeira, avaliando sem trégua, se o resultado  por eles estimado será um ou outro, ansiosos pelos amanhãs que hão-de vir, numa panaceia lenta e mortal, calculada sem qualquer visão estratégica por um qualquer Gaspar de serviço. A ansiedade de uma previsão que não chega, pode e deve afogar a vítima, que depois de morta não adianta salvar. Este OE é injusto, recessivo e de lesa-pátria, aumenta impostos de forma brutal e indiscriminada, acaba com o estado social ou assim pretende, elimina a classe média que sustenta o país, arrasa os trabalhadores, termina com as pequenas e médias empresas afogadas em IVA que também sustentam o país, a massa crítica que produz; e protege os 'boys' do costume, os gestores que ganham como sempre e os grandes interesses que roubam como nunca.
A ver vamos se o OE para 2013 não é inconstitucional... uma especialidade deste governo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ouvido há momentos...

Paulo Simões Júlio, Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa disse há pouco no programa 'Prós e Contras' que em muitas juntas de freguesia o presidente é o pai, o tesoureiro é o filho e o secretário é da família, e portanto está em causa a transparência democrática.
Com um argumento destes converti-me em definitivo à reforma administrativa...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Chaves na penumbra

A penumbra que desce sobre o vale dá aquela sensação de inverno triste e apagado. As ruas desertas e escuras porque o município endividado tem que poupar na electricidade, quando a cidade devia estar eléctrica, tornam o ambiente soturno e frio. Lojas abandonadas, empresas fechadas, desemprego, o estado do país tem aqui um reflexo agonizante. Uma faixa de luto cobre o tribunal ali ao lado, abandonado de advogados e ausente de rebuliço, numa luta desigual contra um sistema que não quer ser coeso. O estado social não passou por ali, nem pelo hospital, numa cidade estática e esquecida, que vive dos serviços que lhe querem furtar, em nome da crise e de uma política centralista sempre contra o interior ostracizado e as populações marginalizadas por autarcas e governantes de chapéu estendido à espera de esmola.
A falácia e o engano já não pegam aqui. As burlas de 'Lesboa' já não enganam ninguém, mas as forças foram-se perdendo por inércia de quem devia tê-la, e por cansaço de quem já não acredita em nada. O estado social que fundou a democracia, que conduz à coesão social, que protege quem está desprotegido e os ajuda a levantar a cabeça, que garante a todos oportunidades iguais, que redistribui a riqueza, que aproxima e iguala, há muito que não chega aqui, agora é pior.
A cegueira centralista ruge agora com este ataque final de ajuste de contas a anos de progressão e conquista desde a II Grande Guerra. Anos de paz, social e progressista, que desembocaram na oportunidade que a ganância do capital esperava e levou à derrocada.
Aqui, nunca fomos iguais aos outros, mas só em oportunidades, porque o espírito e a alma nunca ninguém será capaz de dominar.
O abandono de gentes distantes é o abandono do país de quem não sabe nem conhece os seus encantos e hospitalidade, gastronomia e liberdade. A inocência perdeu-se algures no caminho, agora que finalmente chegou a autoestrada, e a justiça nunca mais chegará.
Se é verdade que o país permitiu que a crise internacional se ajustasse à medida, por erros e enganos de governos, gestores e banqueiros, aqui a crise já estava instalada. A crise de saberes e sabores, a crise de cultura, de progresso e de crescimento. Os últimos 11 anos foram de catástrofe para a cidade, e de atraso para o concelho. E a crise instalou-se mesmo à medida. O empurrão deu o executivo autárquico, a machadada o executivo de 'Lesboa'. Mas eu sei que esta gente nunca levará o empurrão ou a machadada final. 'Para cá do Marão, mandam os que cá estão.'

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O estado do Estado

O direito à greve é um direito fundamental de qualquer democracia. É inalienável e constitucionalmente garantido. Não me interessa se se banaliza ou não. Se houver greve todos os dias, todos os dias ela é legal e garantia de um direito e de um estado livre e democrático.
O argumento da produtividade do país é usado por quem não reconhece que haja quem tenha o direito e motivos para usar da sua liberdade para manifestar o seu descontentamento. E isso é tudo a que corresponde o direito à greve.
Cavaco disse ironicamente que tinha estado a trabalhar. Passos Coelho elogiou quem tinha estado a trabalhar e num acervo de atrevimento bacoco elogiou os desempregados. Eu elogio quem teve coragem de aderir à greve. Hoje em dia é preciso muita coragem e fôlego.
O direito à manifestação é um direito fundamental de qualquer democracia. É inalienável e constitucionalmente garantido. Não me interessa se se banaliza ou não. Se houver manifestações todos os dias, todos os dias elas são garantia de um direito e de um estado livre e democrático.
Coisa diferente é o uso de violência, a desobediência e a provocação. Durante hora e meia um bando (uma dúzia) de energúmenos provocou e agrediu de várias formas as forças policiais presentes na AR. A carga policial foi mais que justificada. O direito à greve e à manifestação não se confunde com distúrbios, ameaças e agressões. Manifestar descontentamento não é provocar desacatos, não corresponde a qualquer tipo de violência e não é forma de poder reivindicar seja o que for. Até porque só serviu para desacreditar as manifestações e abafar a estrondosa adesão à greve, talvez a maior dos últimos 30 anos.
Também não se pode confundir manifestantes com agitadores, e aí a linha que os separa é muito ténue quando chega a hora da carga policial.
A AR é a casa da democracia e entendo que não deve ser aí o alvo do descontentamento. O alvo deve ser o governo. O governo é que é o responsável pelo agudizar da crise, pela recessão, pelo galopar do desemprego e da miséria, que ao contrário do que diz Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar!?, existe e cada vez mais. É o governo que permite o passear pavoneante de Merkel em Lisboa, acompanhada de empresários vampirescos atraídos pelo cheiro de privatizações baratuchas. É o governo que falhou e falha em todas as previsões, números, execuções, consolidações e concertações. Que se diz social democrata, e rasga todos os seus princípios de base. Que ataca o estado social como se fosse o principal problema enquanto a professora Merkel investe milhares de milhões no estado social alemão à pala dos resgatados, austerizados e bons alunos. Enquanto Sá Carneiro dá voltas no caixão, é este governo que continua a bancar a banca de casino e os gestores milionários, dos angolanos e do BPN, das PPP's e dos merceeiros da política,  em detrimento dos trabalhadores e da coesão social, da justiça e da economia, do crescimento e do emprego, da saúde e da educação, da classe média e de todo o estado. É este governo que usa a crise para ajustar contas com o pacto social que vem sendo conquistado e construído desde a Segunda Guerra Mundial.
A violência usada por este governo é diferente daquela a que se assistiu hoje, mas é muito mais arrasadora.
Acho curioso que o governo tenha aumentado em 10% os salários das forças de intervenção. Espero que a guerra ao estado social não signifique a sua substituição por um estado policial, porque assim toda a violência será justificável. Fascismo nunca mais, mas eles andam aí...

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Sentimento de culpa

A luta pelos nossos direitos equivale a lutar pelo nosso futuro, mas sobretudo pelo dos nossos filhos.
Quando nos dizem que é preciso empobrecer porque andamos anos a fio a viver acima das nossas possibilidades, é também necessário que nos expliquem porque é que o país andou a ser governado anos a fio com défice em cima de défice e dívida em cima de dívida, empurrando com a barriga aquilo que outros comiam com os olhos.
Quando nos dizem que temos que cortar tudo a todos, doa o que doer, é também preciso que nos expliquem porque nos vendem os centros decisores e estratégicos do país em leilões mais ou menos duvidosos, hipotecando o futuro em rendas e lugares pagos a peso de ouro.
Quando nos dizem que é preciso refundar o estado social porque não se sustenta a si próprio, é também obrigatório que nos digam porque falhou em toda a linha a execução orçamental e porque é que a banca continua a obter lucros sensacionais em época de crise. É preciso que nos digam porque é que a quinta avaliação da troika nos colocou ao nível grego e agora exige os cortes na despesa que já deviam estar feitos e porque é que o empréstimo que nos dão só serve para pagar juros e alavancar o sistema bancário de casino.
Quando nos dizem que a austeridade é o caminho e um fim em si mesmo, é urgente que nos expliquem porque é que a dívida e o défice continuam a aumentar. Porque é que a banca continua desregulada e porque é que apenas se aplicam as medidas 'fáceis' de aumento de impostos.
Quando nos dizem que todos somos culpados da crise, é também necessário que nos expliquem porque é que aumentaram salários acima da inflação, porque aumentaram impostos a um nível que só facilita a fuga ao fisco e a quebra de consumo, a recessão e os truques contabilísticos com os fundos de  pensões. Que nos digam porque é que as populações hão-de pagar a deslocação centralista dos tribunais e da justiça, que contas feitas ainda sai mais caro ao estado, porque é que se permite que se aposte nos casinos da banca com o dinheiro da segurança social que perdeu milhões para os Ulrich's do sistema. 
Quando nos dizem que a maratona vai a meio, que nos expliquem porque é que não se removem os obstáculos, em vez de zigue-zaguear ao som do que se ouve na rua, em vez de parar para pensar, em vez de deixar que sejam sempre os mesmos a empobrecer.
A verdade é que somos todos culpados, que vivemos acima das nossas possibilidades, que permitimos tudo, festejamos com o que não tínhamos, com o euro e por causa dele, mas perdoar-me-ão, uns são mais culpados do que outros... não me importa agora saber quem é mais culpado, começando lá fora em Reagan e acabando no recém eleito flop Obama, e cá dentro começando em Cavaco e até hoje todos tiveram a sua quota-parte.
A democracia está doente, o capitalismo selvagem continua o seu assalto, e quem tem responsabilidades é que o permite, por todo o lado.
Porque não nos explicam que a banca apesar de ser um sector fundamental é dos sectores que mais contribuiu para a crise actual, desde a desregulação do século XX, com gestores que apenas visavam os dividendos e os prémios, apostando tudo desde seguros a casas e contra eles próprios, da crise do subprime à crise das dívidas soberanas que os vieram salvar por causa da cláusula 'too big to fall'. Que foram os partidos e os governantes que permitiram a ascensão e a queda dos derivados e que permitem que tudo continue na mesma.
Porque não nos explicam que foram os sucessivos erros e má governação que permitiram PPP's usurárias para o estado, em que o lucro era para as empresas amigas e os riscos para o contribuinte, feitas com pareceres milionários e prémios pornográficos para os do costume.
Porque não nos explicam porque só cortaram três fundações e zero empresas municipais.
A culpa do cidadão eleitor e contribuinte está a ser expiada, a dos outros vamos exigi-la na rua, para o bem ou para o mal. Já chega!!! E não me venham depois dizer que o país é ingovernável, se o for a culpa não é minha...

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A refundação do país e do Tribunal de Chaves

Sentido de presença de espírito e de bom senso é coisa muito rara em Portugal. E então se estivermos a referir-nos à classe política o deserto é a regra entre alguns oásis. O chico-espertismo latente e inato ao comum dos portugueses revela-se em doses extra quando ele chega a deter algum poder, portanto, dotado do iluminismo divino que deriva do poder mandar e desmandar numas coisitas.
Se essas coisitas disserem respeito à maioria dos seus conterrâneos ou dos outros todos, o poder é supremo, numa relação de senhor e súbditos. A teimosia e a arrogância redundam em lugares comuns, em discursos redondos e enrolados, às vezes feitos de ideologias cegas, outras mais sem qualquer ideia, resumindo toda a actividade a operações contabilísticas de estratégias populistas e de interesses, quase sempre pessoais.
Neste estilo incoerente, tantas vezes ignorante, a incompetência marca o passo, e o passo calculista dá o mote para todo o percurso.
Quem consegue falar muito sem dizer nada e sem se comprometer com nada chega sempre mais longe, com palmadas nas costas dos que já deram as lambidelas de bota necessárias a um posto senhorial mais elevado, e obviamente com maiores benesses. Sempre à custa do chico-esperto que também fala muito, mas no final das contas, come e cala. Geralmente, também, quem não cala, tem a razão do seu lado, e isso, é o que conta.
É o exemplo do país e da sua nova 'refundação' do memorando, e, em Chaves do seu Tribunal...